Uma Terra que virou um megamercado para muito poucos se
abastecerem.
A maioria fica é com as migalhas, com os sobejos e os danos.
O rio não é doce, mais. Aliás, nem mesmo é rio!
Agora é apenas um vestígio do que um dia foi a morada dos peixes.
É uma pegada de barro, a tumba dos inocentes de vidas simples e de esperanças
aniquiladas.
Algumas catástrofes são anunciadas por anos. A devastação de
florestas, a poluição do ar pelos automóveis, indústrias e pecuária, os
plásticos embolados nos oceanos, as nascentes soterradas, as geleiras
diminuindo em conta-gotas geológicos. Mas há mobilizações para que não se
concretizem. Existem estudos, denúncias e esforços para a conscientização e a
reversão dos danos.
Mas as tragédias instantâneas gestadas nos gabinetes e salas
de reunião, na surdina dos gráficos financeiros, dos cortes de custos e da
maximização dos lucros, essas são invisíveis, até que a lama chegue ao pescoço.
São inaudíveis até que estrondo desperte o choro e os gritos. Continuam sendo
acobertadas mesmo depois do flagrante.
O colapso da barragem de Bento Ribeiro detém nome,
sobrenome, assinatura e marcas digitais dos autores. Alguns dos cúmplices têm
retratos em repartições e atas de posse. Outros, têm imagens repetidas via
satélite e exemplares nas bancas. E os
responsáveis são defendidos pela poderosa associação dos canalhas.
Nada os sensibiliza. Nem as tranças da menina, o relincho do
potro atolado ou as tetas enlameadas das cadelinhas sem prole. Nem os retratos
de batismo soterrados, o uniforme do terceirizado que já não cobre um ser
vivente. Nem mesmo as torneiras secas a quilômetros de distância, os ovos das
tartarugas sob risco de extinção. Tampouco as areias das praias que ilustram
seus cartazes publicitários poderão ser fotografadas tão cedo. Mas, quem liga?
Toca montar uma ópera bufa com notas divulgando falsidades e
pseudo multas a descontar do erário. Oportunidade imperdível para fingir de
morta porque ainda não chegou a orientação dos diretores da matriz para as
vazias (e anódinas) declarações de praxe.
Onde está o comprometimento com a verdade? E a integridade?
Que se dirá duma tragédia dessa monta? O único motivo para proibir o acesso ao
local foi esconder indícios ou provas, mesmo, da culpa, da displicência? O medo
é a queda das ações. Por isso a falta de ações, por isso o acobertamento de informações? Que foi feito para evitar o esparramo da lama por
quilômetros de distância? Existiu essa possibilidade? Foi aventada? As empresas
societárias possuem maquinários tremendamente poderosos. Eles cavam montanhas,
poderiam repetir ações hercúleas? O curso do outrora rio poderia ter sido
desviado para conter o avanço rumo ao mar?
Como mencionar quem deveria interferir para fazer cumprir a
legislação, proteger a população e a integridade ambiental e social, mas aliou-se
às gigantes que escalavram o solo e remetem a carne ferrífera além mar e deixam
crateras, doenças, e morte e miséria? O que diremos das sentinelas da
liberdade? Dos meios de comunicação que se calam e descomunicam uma catástrofe
tão imensa? Por que? Os atingidos são tão pequenos? Por que, mesmo que não poucos, mesmo que sem
voz - pois o idioma dos ribeirinhos não consta no Google Tradutor, as águas não vocalizam sua morte, os animais
não soletram sua agonia e a vegetação não grita sua extinção - não jogam no
time dos poderosos?
São perguntas demais. São assombros demais e indignação mais
que suficiente para ficarem atoladas na garganta.
Mto pertinente.
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